A ceia

Nunca vi mesa tão farta. Tinha comida que nem sei nome. Coisa estranha misturada dá um gosto bem distante de um tudo que não conheço.
Acordei foi bem cedinho como ordena a patroa e na cozinha entrei sozinha com a lua ainda acesa. Comi do pão dormido mergulhado no copo de café quente e doce. Esse gosto vem comigo lá da roça e dá saudade...
O sol enfim nasceu e o moço quitandeiro com um monte de esquisitice apareceu. Fui fazendo o que mandavam sem nenhum perguntamento. Vinha gente de bem longe comer com a família e a patroa tava doida que só vendo.
Lá na roça não tem data de festejo. Nem Natal, aniversário, o ano fica velho e fica novo mas o resto fica igual. Dia nasce e vai embora sem ao menos um sinal. Mas aqui tudinho é festa e aquele esbanjamento. E o povo ri do nada. Eu pra rir sou é difícil ! Não entendo dessas graças.
Ajudei a cozinheira, preta velha sem idade, a cortar, lavar, fritar e mexer os seus quitutes sem provar de quase nada. Foi o dia inteirinho preparando aquela ceia. Deu até pra enjoar só de ver tanta fartura. Nem que fosse comitiva, batalhão de retirantes, dava conta de acabar com esse tanto cozinhado.
Na salão mais importante tinha um troço engraçado, um pé de presente, uma árvore sem semente. Nunca vi plantada não. Enfeitaram as folhas dela com bolinhas espelhadas, algodão e lapadinhas que piscavam animadas. Em baixo tinha um presépio de bonecos arrumados com o menino Jesus deitado em berço raso. O resto era pacote de tudo que era tamanho embrulhado de papel estampado e laço de fita.
Na mesa coberta de luxo, pratos, copos e talheres luziam combinados. A toalha engomada enfeitava orgulhosa sem mexer um fio sequer. E o povo aqui da casa parecia essa gente de revista.
Na horinha ensaiada chegaram os convidados cada qual mais elegante. Um deles me deu por viva e piscou com olho arisco. Sai corada e morta de vergonha e de feitiço.
Servi a mesa umas vezes com a cara escondida. Só dava mesmo pra ver o caminho da comida.
Depois de tudo findado deitei na rede esticada defronte da janela do quartinho onde escondo meu mundo.Vi um monte de estrelas caindo pra todo lado. Uma delas caiu na rede, no meu coração cansado. Encheu ele de brilho, colou o lado quebrado. Dormi sono sonhado.
Natal assim nunca tive...
E aquela estrela preguei no pé de presente.

AL/2010