Materna

Cobriu a cria
Beijou a face
Soprou um sonho
Saiu de cena
E o céu teceu
Na noite plena
Um universo
Particular

AL/2008

Ravel - Gaspard de la nuit

Quiqui (Para Loli)

Fico aqui imaginando
O dia em que querias
Tocar o mundo novo
Com mãos que mal se via
Tão pequena e decidida
No olhar te resumias
Como forte aspirante
Ao lugar que te cabia
Agarrada aos sentimentos
Como a chuva a ventania
Vai deixando em cada passo
O que tens de mais valia
E te vejo linda e doce
Como o sonho que dizia
Que o fruto de um amor
Será amor um dia

AL/2007

Egberto Gismonti - Palhaço

Soprando velas


Estavam todos em volta da mesa enfeitada com bonecos coloridos, doces e um bolo enorme em forma de espaçonave.
Apagaram-se as luzes, e sete velas foram acesas. E atrás delas o menino mantinha os olhos fixos e a cara envergonhada enquanto todos cantavam desejando felicidades, muitos anos de vida e estas coisas de sempre.
Ao final e sem fazer nenhum pedido, soprou as velas, cortou uma fatia do bolo e ofereceu ao seu melhor amigo. O que estava mais próximo gritando ao seu ouvido e roubando os brigadeiros.
Odiava essa comemoração tola onde a única coisa boa era esperar a hora em que todos se fossem para poder abrir os presentes.
Durante toda a festa brincou desanimado com os primos e amigos e resistiu com humor às inevitáveis provocações dos mais chatos.
E quando finalmente se foram empanturrados de bolo, brigadeiro, pãozinho e refrigerante, fechou-se no quarto com seus presentes. Não eram muitos, mas cada um vinha com o gosto saboroso da surpresa, que ia aumentando à medida que rasgava vorazmente os papéis coloridos.
Jogos, livros, bola de futebol, e coisas menos interessantes... Roupas, meias e uma bendita caneca de porcelana. Até que de repente, escondido em um pacote, encontrou um pequeno envelope estampado com corações e beijos de batom. Isso o deixou ainda mais corado que na hora de apagar as velas. Seu corpo transpirou inteiro com o movimento frenético do seu coração.
Abriu e de tão nervoso começou a ler trocando as letras e as palavras. Teve de reler umas três vezes até entender aquela simples mensagem anônima...
Essa noite pedirei
À estrela mais brilhante
Um beijo de amor
Do aniversariante
Escondeu o bilhete com outros tantos segredos e passou a noite imaginando como iria enfrentar o mundo na manhã seguinte. Mas para sua surpresa os dias foram passando normalmente e o menino, ainda por muitos anos, festejou seu aniversário.
Na hora de apagar as velas que se somavam, sempre apertava os olhos e se concentrava apenas naquele envelope estampado com corações e beijos de batom.


AL/2007

Algodão-doce (Para Vitu)

Uma estrela me avisou
Que a noite entregaria
Um presente adocicado
Enquanto eu dormia
Despertei naquela luz
Que dos seus olhos me dizia
Não haver sinal mais nobre
De amor e companhia
Com o sorriso acanhado
Foi plantando a cada dia
A semente verdadeira
Que com ele já vivia
E o fruto vai crescendo
Como nuvem de algodão
Voando docemente
Carregado de emoção

AL/2007

Sergio Assad - Menino

A boneca

A boneca que beijava
Chegou na caixa enfeitada
Igualzinha à menina
Que esperava disfarçada

Não beijava de verdade
Como a outra ansiava
Por isso tapou sua boca
Enquanto o beijo estalava

E a boneca foi deixada
Naquele canto esquecido
Onde a menina atirava
O que não tinha sentido

AL/2007

Alkan - Scherzo diabolique, Op. 39

Climera


Era uma doida, uma espécie de monstro, de bicho-papão, uma bruxa, sei lá, não me lembro bem.
Só lembro que tinha muito medo dela desde muito pequenininha na casa da minha vó.
Minha mãe costurava no quarto dos fundos. Minha vó vivia na cozinha pondo lenha no fogão e água prá coar café bem doçe.
E a Climera vivia nas minhas noites de pavor. De dia ela caminhava pelas ruas cantando e rindo muito, fazendo as crianças correrem para dentro de casa.
Alguns meninos mais atrevidos atiravam pedras do portão deixando Climera furiosa. Acho que era nessa hora que ela se transformava em não sei quê e comia as crianças. Qualquer uma.
Mas ela nunca conseguiu me pegar, pois eu vivia muito bem protegida pelas mulheres lá de casa. Bastava um grito da minha vó, que Climera sumia dando gargalhadas. Acho que ela morria de medo da minha vó.
Mas um dia foi por pouco...
Naquela época, casa de porta trancada era sinal de abandono ou de gente muito metida. Portanto, muito natural que todos entrassem depois de uma ou duas palmas acompanhadas do refrão “ô de casa...” Alguns entravam primeiro... E depois batiam palmas.
Eu estava brincando com os retalhos de costura da minha mãe enquanto ela terminava com capricho, mais um lindo vestido para mim.
De repente... , entrou Climera. Pegou um pedaço de renda, cobriu o rosto e se debruçou sobre mim gritando: - vou te comer!
É claro que meu coração parou e minha respiração também.
Minha mãe me tomou no colo e enxotou Climera com grito de ódio. E aí eu chorei muito.
Não me lembro do rosto da Climera. Talvéz ela fosse bem bonita. Talvéz ela fosse triste, e tivesse pavor de escuro, e vai ver até gostava de brincar com formigas. Mas parece que só aprendeu a brincar de assustar.
Ainda bem que ela sorria muito. E do seu sorriso eu nunca esqueci.
Não tenho mais medo dela, mas, às vêzes, ainda sinto aquela falta de ar.


AL/2003

De brincadeira

Vivo!
Morto!
Vivo!
Vivo!
Morto!
Morto!
Morto!
Vivo!
Quem dera fora tão fácil... E divertido.

AL/2007

Wagner - Tannhauser - Overture