Por acaso

Se o acaso existir
Vou a ele pedir
Um grão de bravura
Que faça em segredo
E mostre aqui dentro
Que é só coisa pura
Ou fique de fora
Fazendo lambança
Enquanto procura

Se o acaso se for
Vou ainda segura
Sem nada pedir
Cantando ventura
De dentro ou de fora
É só coisa pura
Querendo existir
Se nada perdura
O acaso me cura

AL/2009

Handel - Semele - Where'Er You Walk

Peixe de água doce

Acordei se sonho fosse
E era peixe de água doce
Que nadava em companhia
De outros peixes de valia
Me diziam onde ir
Traduziam o que queriam
Encontravam de comer
Dividiam o parecido
E eu seguia sem saber
Ou querer saber contido

Quando as águas misturaram
Vi perdido o cardume
Sem saber sobrenadando
Na corrente da vertente
Procurei o rio profundo
Pantanoso outro mundo
Que guardava o que aspirava
Todo peixe vacilante
Água doce agora vive
E despeja mais distante

AL/2008

Ravel - Piano Concerto In G - 2. Adagio Assai

Intenso


Intensa a luz
Olhar distante
Vibrantes cores
Em vida errante
Alma pulsando
De dentro afora
E o mundo mudo
Que ignora
Intenso intento
Idéia rala
Espelho mágico
De ti exala
Desejo

AL/2009

Schubert – Impromptus, D946

Duelo


A luta havia sido marcada para o final da tarde daquele mesmo dia com o vão propósito de diminuir o desespero dos que se enfrentariam. A arma escolhida era antiga conhecida de ambos, o que dificultaria muito a luta e os golpes.
O motivo, já nem importava... E o vencedor menos ainda.
Cada um em seu momento revisava a vida sem sentido procurando uma lembrança qualquer para levar como escudo protetor ao medo crescente em abandonar o corpo sem sonhos aderidos.
As horas iam passando carregadas de angústia enquanto no lugar marcado, uma multidão esperava ansiosa para assistir a mais uma luta insana entre forças tão iguais.
Os dois chegaram disfarçados de coragem exibindo um sorriso pálido típico dos que já morreram. Apertaram as mãos misturando os suores e as dores e se afastaram o suficiente para deixar que a ira crescesse e dominasse o espaço escolhido.
O duelo de golpes seguros e certeiros durou apenas o tempo necessário para que o vencedor deixasse no solo a vítima do seu acometimento nem mais viva nem mais morta do que ele próprio na sua pele desconhecida.

AL/2007

Aforismo

Quem deixa pegadas leves
É porque já sabe voar

Quando a água invadiu minha casa

Não foi chuva, nem torrente
Nem um copo derramado
Muito menos uma gota
Ou um cuspe malcriado

Não me lembro quando foi
Nem se foi já combinado
Só sei que começou
Em um canto descuidado

Percorrendo os refúgios
Invadiu as estruturas
Minando nas paredes
O desenho da mistura

E o frio que acompanhava
A umidade crescente
Fez que a casa mergulhasse
Nesse mundo envolvente

E a água foi subindo
Engolindo toda a casa
Que agora vive unida
Ao que antes desejava

AL/2007

Chopin – Polonaise - Op.26 Nº1

A roda


O homem cortou o pão
Que matou a fome
Que cortou a vergonha
Que matou a cobiça
Que cortou o caminho
Que matou o ócio
Que cortou a corrente
Que matou o desejo
Que cortou a razão
Que matou o homem
Que cortou o pão

AL/2007

Mozart - Requiem Mass in D minor, K. 626: I. Introitus: Requiem aeternam