Tecendo a noite

E se a vida se for
E eu nem tempo dispor
De cobrir-me com o manto
Que na noite teci
E se o tempo disser
Que não quer mais saber
Do que eu tenho pra dar
Por não crer mais em mim
E se o manto romper
E eu não mais querer
Saber de ti e de mim
No meio da dor
E se a noite durar
Aonde não posso ir
E nada mais restar
Do sonho que vivi

AL/2007

Beethoven: Piano Sonata N014 In C Sharp Minor, Op. 27/2, "Moonlight" - 1. Adagio Sostenuto

Coisa estranha


Gente é coisa muito estranha
Não sei muito que dizer
Quando ama faz sofrer
Quando sofre diz que é manha
Escondida no que sente
Revelada no que trama
Quase sempre apodrece
Junto à alma que reclama
Se viver fosse mais simples
Pra quem segue a verdade
Muita gente deixaria
A mentira sem vontade
Só que a vida é coisa cara
De difícil entendimento
E o que vale é descobrir
O valor dos sentimentos
Dito isso sigo em frente
Sem saber onde e por que
Afinal de nada serve
A palavra sem viver
E quem sabe lá na frente
Já cansada de buscar
Deixarei a porta aberta
Para a morte me ensinar

AL/2008

Pixinguinha - Carinhoso

Esconderijo

Agarrada às palavras
Sou o que vai escondido
Ente e nada crescendo
Parasita no que digo
E nem mesmo digo algo
Só escrevo o que vivo
E o que vivo nem é digno
De cubrir-se de palavras

AL/2007

Handel: Serse - Ombra Mai Fu

Enganando o tempo


O tempo vai passando ora lento, ora veloz . E ás vezes parece que empaca.
Domina quando esquecido, mas se sabido, também pode ser enganado.
Acompanhe-me sem pressa, a esse curioso vilarejo pendurado com cuidado naquela montanha, com suas minúsculas casas, todas pintadas de cal.
Uma casa pintada de cal, nunca diz o tempo que tem.
A claridade rejuvenesce.
Seguiremos os passos de um camponês que passa assobiando pela estrada com sua velha carroça carregada de mantimentos, puxada por bois que conhecem muito bem o caminho, mas desconhecem totalmente o fim. E isso não muda nada.
A subida é íngreme e perigosa. Certamente impossível num dia de chuva. Mas hoje o dia está quente e seco, e o vento foi soprar em outro lugar.
Por todos os lados flores e ervas aparecem em abundância tentando impedir que as pedras rolem bloqueando o caminho de quem tem um objetivo importante a cumprir. E o camponês chega são e salvo ao pacato vilarejo que sempre o espera sem qualquer ansiedade.
Enquanto descarrega a carroça, devolve cada cumprimento que lhe chega das janelas e portas entreabertas. E quando finalmente termina, descansa o corpo suado na sombra da árvore frondosa que o acolhe todas os dias desde que decidiu viver ali. E isso faz muito, muito tempo. A árvore é testemunha.
Quando finalmente o sol desce a montanha beijando as flores, o povo aparece nas ruas já vestidas de silêncio, pintando no ar a frescura trazida nas faces resguardadas.
O tempo ali passa devagar, respeitando os passos de quem escolheu viver os momentos com o que lhe foi definido.
Quem vive de modo pleno, dispõe do tempo.
Entremos agora em uma casa qualquer. Pode ser a do camponês, já que o estamos seguindo feito sombra.
Parece pequena, mas provê realmente de todo o necessário. Aconchego, proteção e importância.
Nada falta e nada sobra e os que compartem, também promovem. Do mais velho ao pequeno, o respeito permanece, e o amor vai completando o trabalho que o tempo desconhece.
O tempo sempre se curva diante do amor.
Poderíamos passar mais tempo percorrendo cada canto desse vilarejo, conhecendo outras pessoas, como aquele velho que está ali sentado na calçada enrolando e fumando o seu cigarro enquanto traga a vida e solta as lembranças na fumaça. Ou tentando descobrir os segredos daquela jovem viúva de olhos brilhantes que a cada noite comparte seus sonhos com os fantasmas já conhecidos. Ou ainda, aprendendo a negociar com o tempo, alguns anos de inocência, como estão fazendo aquelas crianças brincando de cabra-cega na praça da igreja.
Mas acho que já me demorei o bastante e o tempo está pedindo para passar à minha frente.
A vida quando sabida, consegue enganar o tempo. Mas não por muito tempo...


AL/2007

Sussurro

Vem de dentro
Vem baixinho
Qualquer coisa
Sem ser dita
Som confuso
Água ou vento
Vem de dentro
Vem de dentro
Vai soprando
Vai mexendo
Qualquer coisa
Sem ser dita
Som de agito
Paro ou sigo
Vem de dentro
Vem de dentro

AL/2008

Liszt - Schubert Song Transcriptions – Ständchen from Schwanengesang

Morto vivo

Triste fim o dessa estória
De desejos mal nascidos
Em um homem atormentado
Pela sombra dos castigos

Nem lutou com seu destino
Quando o mesmo apareceu
Armado até os dentes
Com o que ele padeceu

Foi vivendo cada dia
Amarrado ao temor
De encontrar pelo caminho
A razão do seu langor

Mal sabia o coitado
Que nem vida lhe foi dada
Já chegou a esse mundo
Com a morte anunciada

E morreu acompanhado
Pela sombra tão cruel
Que mesmo enterrada
Impedia-lhe ir ao céu


AL/2007

Brahms: Piano Sonata #3 In F Minor, Op. 5

Eco

Impreciso é o som
Que toca cada escala
Baixo, surdo mudo
Forte, brado vivo
Como o som de cada alma
Quando vaga noite e dia
Nas fronteiras de quem fala

AL/2008

Edward Elgar - Pomp & Circumstance March, Opus 39

Mareada

As cores do mar
Guardadas em mim
No espelho reluz
Beleza e magia
Intenso fundo azul
Verdejante calmaria
Virá branca espuma
Aguando a areia
Levando de volta
Meus sentimentos gastos
De tanto mudar

AL/2009

Alkan - Grande Étude, Op. 76, No. 3 –Mouvement semblable et perpétuel - Étude pour les mains réunies

Carnaval


Olho para o relógio e ele me confirma a hora de sair. Sou um dos poucos ainda trabalhando na tarde de uma sexta-feira véspera de carnaval.
Fecho minha gaveta, apago o computador e me despeço dos que insistem no trabalho enquanto o resto da cidade já arde em festa.
No caminho para casa um vai-e-vem de carros, trios, ambulantes, policiais, e foliões com seus abadás coloridos... Música por toda parte, alta , muito alta. E isso era só o começo...
Tomo um banho demorado, como os restos de comida da geladeira, bebo uma cerveja bem gelada escutando notícias distantes na televisão.
Visto meu abadá, uma bermuda folgada com a cueca aparecendo, o tênis novo comprado em seis prestações. Coloco algum dinheiro na meia, fotocópia do documento no bolso e saio com uma latinha de cerveja na mão.
Vou andando sem pressa até o local onde combinei encontrar a turma.
Apesar da crescente agitação ainda era possível caminhar pelas ruas e identificar as pessoas. E foi aí que vi Madalena encostada em um carrinho de cachorro-quente amarrando o cordão do tênis.
Toquei levemente no seu ombro e ela virou surpresa. Deu-me um beijo como quem não quer nada e começou a fazer-me um monte de perguntas tolas. Respondi sem prestar muita atenção já que todo o meu corpo estava concentrado em disfarçar o meu desejo latente.
Madalena trabalha de garçonete no restaurante que eu freqüento ao meio dia.Normalmente trocamos poucas palavras e muitos olhares...Hoje poderá ser diferente, caso algum santo ajude.
Ofereci uma cerveja e ela aceitou. Nesse instante escutamos o som do trio que se aproximava acompanhado de uma multidão enlouquecida dançando, pulando, cantando, gritando, se agarrando, se espremendo, se empurrando, sem queixas.
Aproveitamos para misturar-nos àquela onda de gente suada, despejando nas ruas as emoções contidas.
Se as horas passaram , a gente não sabia. Se ainda era noite ou se já era dia. Nem onde a gente estava e muito menos aonde ia.
Só sei que acordei colado em Madalena em uma praia qualquer onde muitos descansavam da loucura do outro dia.
Toquei seus lábios dourados sentindo o gosto da despedida e voltei para casa caminhando entre outras vidas desconhecidas, como a minha e a de Madalena.

AL/2008

Valores

Raras são as horas
Raros os motivos
Raros os sorrisos
De importância rara

Poucas as pessoas
Poucos os sentidos
Poucos bem vividos
De importância cara

Vago o apego
Vagas as memórias
Vagas as palavras
De importância rara

Falha os encontros
Falhas são gravadas
Falha a entrega
De importância cara

AL/2007

Colibri

Paira no ar
Destreza
Rara beleza
Luminosa
Mergulha afoita
Curiosa
De doçura
Se lambuza
Beija a flor
Vem alegria
Beija a flor
Alarga a paz
Beija a flor
Espalha amor



Planea en el aire
Destreza
Rara belleza
Luminosa
Sumerge con prisa
Curiosa
De dulzura
Se embadurna
Besa la flor
Ven alegría
Besa la flor
Alarga la paz
Besa la flor
Esparcía el amor

AL/2008

Beethoven - Violin Sonata No. 5 in F Major, Op. 24 "Spring"

A brecada

Entrou no ônibus já cheio e apertado no mesmo horário de todos os dias, carregando uma sacola plástica e sua bolsa surrada.
Durante todo o longo trajeto permaneceria de pé, pois quase nunca lhe ofereciam assento apesar da sua aparência cansada e avelhantada.
Do alto da janela embaçada olhava desinteressadamente o movimento da cidade frenética sem entender ao certo se fazia parte da mesma cena ativa.
Havia percorrido metade do trajeto quando de uma freada brusca, foi arremessada contra um casal que viajava sonolento no banco à sua frente.
Não conseguiu salvar a sua bolsa surrada que voou pelos ares despejando parte da sua vida no meio daquela gente desconhecida.
Alguns riam, outros resmungavam, uns poucos ajudavam incomodados.
Levantou-se com dificuldade, desculpando-se ruborizada enquanto tentava recuperar seus pertences.
Entre um olhar e outro, retomou coisas antes tão íntimas e as escondeu na mesma bolsa com sua vergonha para sempre.

AL/2008

Bach - Chromatic Fantasia and Fugue in D Minor

Trocadilho

Troco letras
Frases soltas
Trás idéias
Meio loucas
Roubo rimas
Traço esboço
Busco caras
Que combinam
E misturo...
Cambiando traços
Expressões soltas
Trás sentimentos
Meio loucos
Corto letras
E amarro...

AL/2008

Bach - Fantasia in C Minor, BWV 906

Mareada



Hoje quero beber o mar e sua água salgada até curtir minha pele já cansada de ser branda e temperar meu corpo tolo virgem de segredos.
Se me embriago mareada, afundo trago, esqueço lágrima, e vivo em mim a mais profunda paz.

AL/2008

Alkan - Les Quatre Ages, grande Sonate, Op. 33 - Quarante Ans

Materna

Cobriu a cria
Beijou a face
Soprou um sonho
Saiu de cena
E o céu teceu
Na noite plena
Um universo
Particular

AL/2008

Ravel - Gaspard de la nuit

Quiqui (Para Loli)

Fico aqui imaginando
O dia em que querias
Tocar o mundo novo
Com mãos que mal se via
Tão pequena e decidida
No olhar te resumias
Como forte aspirante
Ao lugar que te cabia
Agarrada aos sentimentos
Como a chuva a ventania
Vai deixando em cada passo
O que tens de mais valia
E te vejo linda e doce
Como o sonho que dizia
Que o fruto de um amor
Será amor um dia

AL/2007

Egberto Gismonti - Palhaço

Soprando velas


Estavam todos em volta da mesa enfeitada com bonecos coloridos, doces e um bolo enorme em forma de espaçonave.
Apagaram-se as luzes, e sete velas foram acesas. E atrás delas o menino mantinha os olhos fixos e a cara envergonhada enquanto todos cantavam desejando felicidades, muitos anos de vida e estas coisas de sempre.
Ao final e sem fazer nenhum pedido, soprou as velas, cortou uma fatia do bolo e ofereceu ao seu melhor amigo. O que estava mais próximo gritando ao seu ouvido e roubando os brigadeiros.
Odiava essa comemoração tola onde a única coisa boa era esperar a hora em que todos se fossem para poder abrir os presentes.
Durante toda a festa brincou desanimado com os primos e amigos e resistiu com humor às inevitáveis provocações dos mais chatos.
E quando finalmente se foram empanturrados de bolo, brigadeiro, pãozinho e refrigerante, fechou-se no quarto com seus presentes. Não eram muitos, mas cada um vinha com o gosto saboroso da surpresa, que ia aumentando à medida que rasgava vorazmente os papéis coloridos.
Jogos, livros, bola de futebol, e coisas menos interessantes... Roupas, meias e uma bendita caneca de porcelana. Até que de repente, escondido em um pacote, encontrou um pequeno envelope estampado com corações e beijos de batom. Isso o deixou ainda mais corado que na hora de apagar as velas. Seu corpo transpirou inteiro com o movimento frenético do seu coração.
Abriu e de tão nervoso começou a ler trocando as letras e as palavras. Teve de reler umas três vezes até entender aquela simples mensagem anônima...
Essa noite pedirei
À estrela mais brilhante
Um beijo de amor
Do aniversariante
Escondeu o bilhete com outros tantos segredos e passou a noite imaginando como iria enfrentar o mundo na manhã seguinte. Mas para sua surpresa os dias foram passando normalmente e o menino, ainda por muitos anos, festejou seu aniversário.
Na hora de apagar as velas que se somavam, sempre apertava os olhos e se concentrava apenas naquele envelope estampado com corações e beijos de batom.


AL/2007

Algodão-doce (Para Vitu)

Uma estrela me avisou
Que a noite entregaria
Um presente adocicado
Enquanto eu dormia
Despertei naquela luz
Que dos seus olhos me dizia
Não haver sinal mais nobre
De amor e companhia
Com o sorriso acanhado
Foi plantando a cada dia
A semente verdadeira
Que com ele já vivia
E o fruto vai crescendo
Como nuvem de algodão
Voando docemente
Carregado de emoção

AL/2007

Sergio Assad - Menino

A boneca

A boneca que beijava
Chegou na caixa enfeitada
Igualzinha à menina
Que esperava disfarçada

Não beijava de verdade
Como a outra ansiava
Por isso tapou sua boca
Enquanto o beijo estalava

E a boneca foi deixada
Naquele canto esquecido
Onde a menina atirava
O que não tinha sentido

AL/2007

Alkan - Scherzo diabolique, Op. 39

Climera


Era uma doida, uma espécie de monstro, de bicho-papão, uma bruxa, sei lá, não me lembro bem.
Só lembro que tinha muito medo dela desde muito pequenininha na casa da minha vó.
Minha mãe costurava no quarto dos fundos. Minha vó vivia na cozinha pondo lenha no fogão e água prá coar café bem doçe.
E a Climera vivia nas minhas noites de pavor. De dia ela caminhava pelas ruas cantando e rindo muito, fazendo as crianças correrem para dentro de casa.
Alguns meninos mais atrevidos atiravam pedras do portão deixando Climera furiosa. Acho que era nessa hora que ela se transformava em não sei quê e comia as crianças. Qualquer uma.
Mas ela nunca conseguiu me pegar, pois eu vivia muito bem protegida pelas mulheres lá de casa. Bastava um grito da minha vó, que Climera sumia dando gargalhadas. Acho que ela morria de medo da minha vó.
Mas um dia foi por pouco...
Naquela época, casa de porta trancada era sinal de abandono ou de gente muito metida. Portanto, muito natural que todos entrassem depois de uma ou duas palmas acompanhadas do refrão “ô de casa...” Alguns entravam primeiro... E depois batiam palmas.
Eu estava brincando com os retalhos de costura da minha mãe enquanto ela terminava com capricho, mais um lindo vestido para mim.
De repente... , entrou Climera. Pegou um pedaço de renda, cobriu o rosto e se debruçou sobre mim gritando: - vou te comer!
É claro que meu coração parou e minha respiração também.
Minha mãe me tomou no colo e enxotou Climera com grito de ódio. E aí eu chorei muito.
Não me lembro do rosto da Climera. Talvéz ela fosse bem bonita. Talvéz ela fosse triste, e tivesse pavor de escuro, e vai ver até gostava de brincar com formigas. Mas parece que só aprendeu a brincar de assustar.
Ainda bem que ela sorria muito. E do seu sorriso eu nunca esqueci.
Não tenho mais medo dela, mas, às vêzes, ainda sinto aquela falta de ar.


AL/2003

De brincadeira

Vivo!
Morto!
Vivo!
Vivo!
Morto!
Morto!
Morto!
Vivo!
Quem dera fora tão fácil... E divertido.

AL/2007

Wagner - Tannhauser - Overture

A equilibrista

Uma linha esticada
Sonho e vida pendurada
E outras que assistem
A que acorda bamba
Vista de equilíbrio
O espetáculo perigoso
Onde o ponto luminoso
Cega medo e sufoco
Forjando no ar
A fama talhada
Colando na linha
O alívio tênue


AL/2008

Kuhlau - Duo brillant, Op. 110, No. 1

A ostra

Caminhando pela areia fina antes do sol arder, ia admirando discretamente o mar enquanto esperava seu convite para o mergulho.
Com passos lentos, entrei deixando a água subir pelo meu corpo até abandoná-lo às ondas que passavam suaves querendo embalar toda a minha alma.
Olhei para o infinito comungando livremente como iguais. Encontrei algumas das respostas que procurava, mas decidi deixá-las ali mesmo nas águas.
Saindo molhada de paz, encontrei nas pedras uma ostra solitária. Curiosa como sou não resisti em tomá-la nas mãos. Constatei que estava completamente fechada e viva.
Minha curiosidade aumentou por querer saber o que levava adentro. Não que eu procurasse por uma pérola rara. O que me atraia era a vida ali recolhida, a intimidade puramente secreta.
Olhei novamente para o infinito buscando entendimento, mas este se recolheu nas névoas para descansar.
Voltei-me então para o mar que me levou às profundezas fazendo-me aceitar o desconhecido e esperar pelas revelacões, sem anseios.
Subindo à superfìcie, decidi não abrir a ostra. Deixei-a na água com as respostas e retornei caminhando pela areia fina com uma pérola no pensamento.

AL/2006

Dom Quixote


Sou cavalheiro andante
Solitário vagabundo
Das estradas inventadas
Trago arma e armadura
Como quem não quer ver nada
Minha força é criação
Criatura é coisa errada
Minha fome é saciada
Em qualquer noite estrelada
De conquistas vou vivendo
Sem sequer levar medalhas
Porque nunca entendidas
Quase sempre renegadas
Abandono não tem cura
Mas sonhar aquece a alma
Desse nobre guerrilheiro
Feito de tudo e de nada
Sempre pronto a ajudar
Mesmo ferido de raiva
Da morte não tenho medo
Por isso vivo e perduro
Mesmo se louco figuro
Louco é outro que morre
Sem mesmo travar batalha


AL/2008


Josef Suk - Elegie (Under the Impression of Zeyer's Vysehrad), Op.23

Frida

A dor que da pele trava o corpo
Encontra adentro a outra dor
Que sai bailando em gritos loucos
Ou em outros gritos de cor
De gestos, versos e sons
Cheios de males entendidos
Retrato cru e estampado
Da alma que nunca foi retida
Por tropeçar no caminho
E soltar forte e brava
A sua dor contida


AL/2007

A música que toca

Domina
Recria
Mi alma
Falaz
Solfejando
La distante
Sinais
Dormidos
Sinônimos
Latentes
Soltos
Face
Mi vida
Re vista
Docemente


AL/2008

Brahms - Romanze In F Major

O diário



É Natal e ao pé da arvore enfeitada com doces coloridos, os presentes luzem enrolados em papeis brilhosos e fitas de seda. Entre eles, um com o meu nome bem grande preenchendo a etiqueta.
Impossível colar nas palavras a emoção sentida ao rasgar o papel e tocar a capa dura azul celeste onde se lia Meu diário, em lindas letras prateadas.
Eufórica, contei as páginas que desfilavam alvas mareando meus olhos afortunados. Eram muitas e todas exalavam ainda o cheiro forte de madeira e o calor típico das coisas queridas.
No canto direito uma nuvem pequena oferecia lugar aos números que marcariam para sempre um dia já vivido. Logo abaixo linhas se seguiam em abundância como ruas aparando as letras que apressadas passariam desenhando sentimentos e segredos nunca antes despejados.
Se o dia fosse lindo, mais espaço usaria procurando alongar os eventos. E se acaso não valia, economizaria páginas, palavras, tinta e linhas.
Das pessoas pintaria expressões bem definidas e depois decomporia cada uma em separado, assim como se separa as sílabas de uma palavra entendida. Algumas certamente vão roubar mais tempo e espaço sem que eu perceba.
Sentimentos são segredos e o diário é que bem sabe. Por isso espera paciente escondido baixo chave no fundo de uma gaveta, enquanto vivo os meus tempos.
Se um dia é esquecido, não insiste e quieto permanece. Se em outro chego afoita e invadida de imagens, me acolhe amoldando as páginas. E confiada, deixo os meus momentos enfeitados com palavras de todos os tamanhos.
O que risco não é conto, é mesmo página desse meu diário escrita em vinte e cinco de dezembro de mil novecentos e setenta e três. Primeira de tantas outras asiladas nessa capa dura azul celeste que um dia desbotará como o tempo e a memória.
Boa noite e até amanhã, se o dia chegar e se com ele eu estiver.


AL/2008

Chorar por dentro

Se eu choro e o meu pranto vai aonde a semente espera, então cada lágrima vale o fruto crescido em terra adubada com o que sai rolando da minha alma em penas.
Mas se o meu choro espera escondendo a lágrima, então a semente míngua e faz da terra, seca, e de mim, pobre sem alma.


AL/2008

Chopin - Nocturne No. 2 Op. 9/2 E flat minor