Mareada

As cores do mar
Guardadas em mim
No espelho reluz
Beleza e magia
Intenso fundo azul
Verdejante calmaria
Virá branca espuma
Aguando a areia
Levando de volta
Meus sentimentos gastos
De tanto mudar

AL/2009

Alkan - Grande Étude, Op. 76, No. 3 –Mouvement semblable et perpétuel - Étude pour les mains réunies

Carnaval


Olho para o relógio e ele me confirma a hora de sair. Sou um dos poucos ainda trabalhando na tarde de uma sexta-feira véspera de carnaval.
Fecho minha gaveta, apago o computador e me despeço dos que insistem no trabalho enquanto o resto da cidade já arde em festa.
No caminho para casa um vai-e-vem de carros, trios, ambulantes, policiais, e foliões com seus abadás coloridos... Música por toda parte, alta , muito alta. E isso era só o começo...
Tomo um banho demorado, como os restos de comida da geladeira, bebo uma cerveja bem gelada escutando notícias distantes na televisão.
Visto meu abadá, uma bermuda folgada com a cueca aparecendo, o tênis novo comprado em seis prestações. Coloco algum dinheiro na meia, fotocópia do documento no bolso e saio com uma latinha de cerveja na mão.
Vou andando sem pressa até o local onde combinei encontrar a turma.
Apesar da crescente agitação ainda era possível caminhar pelas ruas e identificar as pessoas. E foi aí que vi Madalena encostada em um carrinho de cachorro-quente amarrando o cordão do tênis.
Toquei levemente no seu ombro e ela virou surpresa. Deu-me um beijo como quem não quer nada e começou a fazer-me um monte de perguntas tolas. Respondi sem prestar muita atenção já que todo o meu corpo estava concentrado em disfarçar o meu desejo latente.
Madalena trabalha de garçonete no restaurante que eu freqüento ao meio dia.Normalmente trocamos poucas palavras e muitos olhares...Hoje poderá ser diferente, caso algum santo ajude.
Ofereci uma cerveja e ela aceitou. Nesse instante escutamos o som do trio que se aproximava acompanhado de uma multidão enlouquecida dançando, pulando, cantando, gritando, se agarrando, se espremendo, se empurrando, sem queixas.
Aproveitamos para misturar-nos àquela onda de gente suada, despejando nas ruas as emoções contidas.
Se as horas passaram , a gente não sabia. Se ainda era noite ou se já era dia. Nem onde a gente estava e muito menos aonde ia.
Só sei que acordei colado em Madalena em uma praia qualquer onde muitos descansavam da loucura do outro dia.
Toquei seus lábios dourados sentindo o gosto da despedida e voltei para casa caminhando entre outras vidas desconhecidas, como a minha e a de Madalena.

AL/2008

Valores

Raras são as horas
Raros os motivos
Raros os sorrisos
De importância rara

Poucas as pessoas
Poucos os sentidos
Poucos bem vividos
De importância cara

Vago o apego
Vagas as memórias
Vagas as palavras
De importância rara

Falha os encontros
Falhas são gravadas
Falha a entrega
De importância cara

AL/2007

Colibri

Paira no ar
Destreza
Rara beleza
Luminosa
Mergulha afoita
Curiosa
De doçura
Se lambuza
Beija a flor
Vem alegria
Beija a flor
Alarga a paz
Beija a flor
Espalha amor



Planea en el aire
Destreza
Rara belleza
Luminosa
Sumerge con prisa
Curiosa
De dulzura
Se embadurna
Besa la flor
Ven alegría
Besa la flor
Alarga la paz
Besa la flor
Esparcía el amor

AL/2008

Beethoven - Violin Sonata No. 5 in F Major, Op. 24 "Spring"

A brecada

Entrou no ônibus já cheio e apertado no mesmo horário de todos os dias, carregando uma sacola plástica e sua bolsa surrada.
Durante todo o longo trajeto permaneceria de pé, pois quase nunca lhe ofereciam assento apesar da sua aparência cansada e avelhantada.
Do alto da janela embaçada olhava desinteressadamente o movimento da cidade frenética sem entender ao certo se fazia parte da mesma cena ativa.
Havia percorrido metade do trajeto quando de uma freada brusca, foi arremessada contra um casal que viajava sonolento no banco à sua frente.
Não conseguiu salvar a sua bolsa surrada que voou pelos ares despejando parte da sua vida no meio daquela gente desconhecida.
Alguns riam, outros resmungavam, uns poucos ajudavam incomodados.
Levantou-se com dificuldade, desculpando-se ruborizada enquanto tentava recuperar seus pertences.
Entre um olhar e outro, retomou coisas antes tão íntimas e as escondeu na mesma bolsa com sua vergonha para sempre.

AL/2008

Bach - Chromatic Fantasia and Fugue in D Minor

Trocadilho

Troco letras
Frases soltas
Trás idéias
Meio loucas
Roubo rimas
Traço esboço
Busco caras
Que combinam
E misturo...
Cambiando traços
Expressões soltas
Trás sentimentos
Meio loucos
Corto letras
E amarro...

AL/2008

Bach - Fantasia in C Minor, BWV 906

Mareada



Hoje quero beber o mar e sua água salgada até curtir minha pele já cansada de ser branda e temperar meu corpo tolo virgem de segredos.
Se me embriago mareada, afundo trago, esqueço lágrima, e vivo em mim a mais profunda paz.

AL/2008

Alkan - Les Quatre Ages, grande Sonate, Op. 33 - Quarante Ans