O conto mentiroso

A hora vem chegando. A barriga crescida e redonda adverte que a menina esta pronta para viver o seu caminho riscado e riscando.
Olga, a mãe que nunca deu a luz, se prepara para receber a filha com a receita mal dosada de medo e felicidade.
Reuniu, nas horas condensadas de afeto, um pequeno enxoval de cores claras e peças simples cheirando a alfazema, na medida em que os dias evaporavam na cadência dos seus desejos.
Pouca idade lhe colava ao corpo amadurecido nas mãos do homem que um dia entregou-se absolvida entre o que sentia e o que ignorava. E tão bruscamente foi despertada que não teve tempo para guardar na memória seus anseios ingênuos.
Desde então habituada aos destemperos, nutriu-se de muita coragem e alguma destreza para enfrentar o restrito mundo que lhe valia.
Agora seguiria apenas ela e sua filha, ainda escondida no ventre estirado, na tentativa de delongar o tempo do cuidado e do aconchego.
Mas a pele tem tamanho e o ventre vida própria. E a menina muita fome. Então ela luta, chuta, empurra e sofre por querer o que lhe cabe.
Na sala apertada do hospital sem recursos, os gritos se misturam ao movimento convulso dos médicos e enfermeiras cheirando a éter e a cansaço.
Não há flores, palavras doces, sorrisos ou afagos. Há vida, morte, destino, e caminhos atravancados.
A mãe assustada grita de uma só vez tudo o que leva adentro. Reúne sopro e expulsa dor, sangue e a menina enrugada pelo frio que acompanha aquela sala imprópria a qualquer vida.
Essa logo explode em pranto a fome de engolir o mundo, por hora sossegada no leite ralo que escorre do seio daquela sua mãe impedida de enxergar a própria pena.
Mãe e filha se estranham como pacto para seguirem juntas. E o nome se faz carne. E a alma acolhe Maria Inês como sua.