Maria Inês adolesce na dimensão dos seus riscos largos, fortes e destemidos. Vasculha curiosa o mundo herdado e logo descobre o pobre que é. Salta etapas e toma para si o trabalho de viver.
Fala pouco enquanto cresce e encontra no mistério a arma adequada para quem é insaciável. O alimento que lhe falta na mesa, nunca lhe faltará na mente.
No acanhado quarto que divide com a mãe ausente por tanta labuta, pouca coisa compromete o espaço de brincar com seus amigos inventados. Um sapo bailarino e uma barata professora.
É o sapo que lhe mostra uma e outra vez, velhos truques para conseguir o salto mais elevado e preciso com movimentos leves e graciosos. Ela aprende sem dificuldade e exibe-se diante dos vizinhos, na rua estreita e cheia de buracos.
A barata convencida, passa rastejando metendo-se por todos os cantos, recolhendo o que lhe cabe na cabeça. Uma verdadeira enciclopédia ambulante pronta para enfrentar qualquer batalha mesmo correndo o risco de ser esmagada de repente. Maria Inês se diverte, e os admira e os protege como um tesouro raro. Fora do seu quarto, na miséria acumulada pelas horas parcas de alegria, faz poucos amigos verdadeiros.
Segue acelerada e ingressa por fim ao colégio buscando curiosa nos livros e nas letras, o mundo imaginado.
Olga, trabalhando noite e dia sem queixa, não se entrega, e até planeja momentos de intimidade com a filha que não vê crescer.
A realidade se desveste sem pudor à Maria Inês e o seu sonho vai ficando cada vez mais comprometido. Uma nuvem estranha encobre seus pensamentos, confundindo-a. E antes de se ver paralisada por uma dor que teima em crescer, ela decide lutar com a bravura que tinha escondida.
Numa tarde de domingo enquanto assistia televisão e comia restos de comida trazidos pela mãe do restaurante onde trabalhava, saltou de cabeça na primeira oportunidade que bateu à sua porta.
A vida de Maria Inês começava pra valer com um conto mentiroso.