Ensaio sobre a loucura

Em maio completei 41 anos. Fiz uma festa em casa para alguns amigos e conhecidos. Na verdade mais conhecidos que amigos. E uns tantos que eu nem conhecia.
Naquela noite eu estava realmente linda e atraente, apesar de ter a mente dispersa como de costume. Prova disso é que não lembro muito dos detalhes. Recordo apenas que as pessoas pareciam se divertir, que a comida estava boa e a música também. E que todos foram embora quase ao mesmo tempo. Depois ficou aquele imenso vazio que normalmente vem acompanhado de uma dor profunda. Para suportar tomei as sobras das bebidas e me recostei no divã em frente à janela com a vista fixa na lua minguante até adormecer. No dia seguinte acordei com a campainha tocando insistentemente. Era Graça que vinha para limpar a casa e ordenar o caos. Antes de começar, preparou-me um café forte e ajudou-me a tomar banho e escolher uma roupa adequada para ir trabalhar. Há momentos que sem Graça, fico perdida.
Meus dias costumam se arrastar nebulosos e sem muito sentido. Como um livro chato em que as palavras se perdem manchando as folhas sem emoção. Minha cabeça pesa meu mau humor e meu corpo o veste totalmente.
A dor se alarga, toma espaço, ao ponto de eu ser ela encarnada. Já não vejo alma e o que faço me abomina. Um dia grito, brinco, canto, e lembro. Noutro choro, emudeço, entorpeço e fomento.
Hoje vou vestida em cores fortes e prenderei os cabelos num coque alto esticando a pele e os olhos já borrados de rímel. Mostro a cara que invento, por não saber mais quem sou. Se for alegre causo espanto, e se vou triste sou incomodo.
Não vi Graça esta manhã. Estará escondida na esquina esperando que eu saia para poder entrar. Reconheço que a cada dia que passa tem mais medo dos meus ataques e não a culpo. Também estou apavorada com o que sai de mim. Encontrará a desordem de sempre e o espelho do banheiro riscado de lápis preto e batom carmim. Registro ali o pouco que vejo e saio com outra cara. Graça entende tudo e apaga...
Gosto de caminhar rápido zigzageando nas calçadas como se estivesse atrasada. Vou esbarrando de propósito nas pessoas e depois peço desculpas exibindo meu melhor sorriso falso. Às vezes finjo discutir com alguém no celular e aproveito para gritar nas ruas os meus tormentos. Talvez esteja mesmo ficando louca. Não sei se vivo do que sou e não sinto, ou sou o que sinto e não vivo.
São tantos os pensamentos que invadem minha mente e metralham meus sentidos... Meu corpo envelhece sem suportar a carga dos meus desejos e desfilo de dia os pesadelos que costuro na noite.