Esquisita toda bruxa é, mas a essa não cabia alusão. Cara de bruxa tinha. Nariz empinado, olhos de fogo e cabelo espigado. A boca,... Escondia uma língua tão comprida que vivia enrolada. Difícil entender o tanto que ela falava. As orelhas, não vi não. Escutava é com o coração. Esdrúxula!
De casa não precisava. Vivia revolvendo a terra, voando entre as nuvens, mergulhando em águas profundas e saltando labaredas. Se metia em vida alheia inventando solução, mas como não cozinhava, não preparava uma porção...! Onde já se viu? Tinha uns dedos tão compridos que pareciam umas agulhas. Quando espetavam qualquer corpo, saia um monte de fagulha. Devia ser o tal veneno... Isso quando não arrotava velhos gases em trovoada fazendo mexer na gente vísceras e idéias bizarras. Que nojo!
Mas um dia essa bruxa tão esperta e atrapalhada, caiu da vassoura... Que cilada!
Como sempre, procurando confusão, se meteu em uma briga num seminário de assombração. Fizeram chacota dela porque não tinha um caldeirão. Ficou tão enfadada que usou feitiço novo nunca antes ensaiado transformando os presentes em ursos, macacos e serpentes. Saiu bufando descontrolada arrastando sua vassoura pelos ares e anunciou nas páginas do céu com estrelas combinadas que buscava um chefe cozinheiro para lhe ensinar todos os segredos do fogão. Mas o tempo se arrastava e não aparecia nada não...
Quando um dia mergulhava num oceano turbulento, viu passar um cozinheiro revestido de algas claras, nadando tranqüilo na correnteza. Tinha um saco escondido com algumas espécies raras debaixo de um caracol que usava na cabeça. E um olhar de azul calmante que mirava bem distante.
A bruxa ficou sem ar diante daquela estranheza! E não fossem os seus poderes, morreria afogada em sua própria natureza. Bem feito!
Usou uma voz suave para chamar a atenção, mas o lindo cozinheiro só estava interessado em sua nova criação: Sopa de ouriço com saliva de tubarão. Uma entrada exuberante para uma festa muito importante.
A bruxa tentou de tudo. Até dançou um tango com a vassoura em meio a um cardume de salmão, mas o sábio cozinheiro continuou o seu trabalho sem qualquer hesitação.
Finalmente já cansada foi dormir em terra firme ao lado de um canteiro de especiarias. Fez uma cama de arruda e camomila e esperou raiar o dia.
E não é que outra vez o cozinheiro apareceu! Parecia que o destino é quem queria brincar com aquela bruxa que de tudo já viveu.
O galante mestre-cuca escolheu umas tantas ervas enquanto assobiava uma velha canção francesa que ninguém mais se lembrava. A bruxa deslumbrada acompanhou com sua voz mais afinada e finalmente o cozinheiro cruzou sua mirada. Foi paixão, não tenho dúvida. Dessas que morde e mata. E traçando muitos caminhos, levaram na mesma bagagem sonhos, segredos e coragem.
Depois de muita aventura buscaram vida abrigada e na cabana inventada tinha cama, colchão e almofada. Panelas de todo tamanho, pratos, facas e alguns panos e um sem fim de convidados vindos de todos os lados querendo provar um bocado.
A bruxa nunca aprendeu a mexer o caldeirão que dirá a preparar qualquer tipo de porção. Isso não mais lhe importava. Fazia seu bem amado com um pouco de magia que ela mesma lhe ensinara. Uma troca mais que justa para quem sabe ser bruxa.
De uma bruxa e um cozinheiro tenham todos bem cuidado! Não abusem da comida nem dos dedos afilados! Entre uma sopa e um guisado, entre um peixe e um flambado alguém sai enfeitiçado. E se a lua invejosa rouba o brilho das estrelas desfilando toda cheia, pode ir logo preparando muita erva e infusão pra lutar contra o feitiço dessa dupla armação. Já vi gente virar bicho, gato brincando com leão e até orelha humana fervendo no caldeirão! Essa dupla não é mole não!
E agora eles têm cria! Sangue e veneno misturados. Será bruxa ou cozinheira a menina prazenteira? Eu diria uma fada rara dessas com imaginação que vai soprar muitas estórias em bolinhas de sabão...
AL/2009