É Natal e ao pé da arvore enfeitada com doces coloridos, os presentes luzem enrolados em papeis brilhosos e fitas de seda. Entre eles, um com o meu nome bem grande preenchendo a etiqueta.
Impossível colar nas palavras a emoção sentida ao rasgar o papel e tocar a capa dura azul celeste onde se lia Meu diário, em lindas letras prateadas.
Eufórica, contei as páginas que desfilavam alvas mareando meus olhos afortunados. Eram muitas e todas exalavam ainda o cheiro forte de madeira e o calor típico das coisas queridas.
No canto direito uma nuvem pequena oferecia lugar aos números que marcariam para sempre um dia já vivido. Logo abaixo linhas se seguiam em abundância como ruas aparando as letras que apressadas passariam desenhando sentimentos e segredos nunca antes despejados.
Se o dia fosse lindo, mais espaço usaria procurando alongar os eventos. E se acaso não valia, economizaria páginas, palavras, tinta e linhas.
Das pessoas pintaria expressões bem definidas e depois decomporia cada uma em separado, assim como se separa as sílabas de uma palavra entendida. Algumas certamente vão roubar mais tempo e espaço sem que eu perceba.
Sentimentos são segredos e o diário é que bem sabe. Por isso espera paciente escondido baixo chave no fundo de uma gaveta, enquanto vivo os meus tempos.
Se um dia é esquecido, não insiste e quieto permanece. Se em outro chego afoita e invadida de imagens, me acolhe amoldando as páginas. E confiada, deixo os meus momentos enfeitados com palavras de todos os tamanhos.
O que risco não é conto, é mesmo página desse meu diário escrita em vinte e cinco de dezembro de mil novecentos e setenta e três. Primeira de tantas outras asiladas nessa capa dura azul celeste que um dia desbotará como o tempo e a memória.
Boa noite e até amanhã, se o dia chegar e se com ele eu estiver.
AL/2008