- Sai daí menino! Você vai cair e se esborrachar no chão. E quando isso acontecer, não quero choro nem manha. Já avisei!
D. Tereza repetia essa frase cada vez que encontrava Tiago deitado no galho da mangueira do quintal olhando pra cima e falando sozinho.
- Esse menino não varia bem da cabeça, Reginaldo. Melhor a gente chamar uma rezadeira antes que seja tarde.
- Qual nada Tereza. Deixa o menino variar tranqüilo... Que implicância!
- Onde já se viu ficar conversando a tarde inteirinha com uma formiga e uma lesma como se fosse gente! Por que diacho não vai brincar com os outros meninos lá no campo? Eu num to gostando nadinha disso. Vou tomar uma providência é já.
D.Tereza mandou buscar a rezadeira, uma senhora cuja idade ninguém mais sabe, moradora solitária da mata. Acudiu trazendo uns ramos de arruda recém colhida pra rezar na cabeça e no corpo de Tiago, que aceitou tudo calado disfarçando a curiosidade, e depois voltou correndo pro pé de manga. Não sem antes agarrar umas folhinhas de arruda pra rezar nas lesmas que segundo ele, eram estranhamente preguiçosas.
A rezadeira depois de um longo suspiro proferiu: - O menino ta com quebranto dos brabos. Carece de banhos de erva da mata por uma semana inteirinha. E não antes do sol se pôr! Coisa que D. Tereza providenciou sem demora.
Claro que as lesmas também tiveram de seguir o mesmo tratamento...
Mas o tempo ia passando e Tiago parecia gostar mais de brincar no pé de manga do que com os poucos amigos que tinha.
Às vezes convidava algum para subir com ele na árvore, mas depois de comerem mangas e saltarem de galho em galho, o outro se fastidiava e ia buscar coisa melhor pra fazer.
Nos dias de chuva, Tiago costumava levar uma lona e improvisar uma cabana entre as ramas. Não era o que mais gostava. Preferia mil vezes a aventura em descoberto tentando alcançar o galho mais alto para chegar mais perto das nuvens. E foi movido por esse desejo que um dia, enquanto trepava nas toras já velhas, uma delas arrebentou e Tiago foi com tudo pro chão.
É... Praga de mãe é a pior coisa que existe! Difícil um escapar.
Além do corpo todo ralado e de uma perna quebrada em vários lugares, Tiago perdeu os sentidos o tempo suficiente para deixar D. Tereza desesperada.
- Eu sabia! Agora sim é que meu menino vai ficar variado de vez. Valei-me Nossa Senhora do Socorro! Salva esse meu filho que ainda é anjo.
Por uns dias Tiago até delirou de febre, e as feridas demoraram em cicatrizar. A perna ficaria imobilizada pelo menos uns dois meses, o que acabou deixando Tiago por demais agoniado.
A melhora foi realmente lenta e sofrida.Tiago sentia muita falta do pé de manga, das lesmas, das formigas, das alturas e das nuvens.
Um dia acordou mais disposto e pediu umas mangas para comer. D. Tereza pensando que finalmente lhe voltara o apetite trouxe toda contente um cesto cheinho de mangas maduras e docinhas. A partir de então, Tiago comia manga, no café, no almoço e na janta. E mais nada.
Palpites choviam de todos os lados e D.Tereza já não sabia o que fazer. Para piorar ainda mais a situação Tiago implorou com os olhos encharcados e tristes que lhe trouxessem uma lesma e uma formiga lá do pé de manga.
Sem mais remédios, atenderam ao pedido e foi com surpresa e espanto que testemunharam a alegria do menino segurando nas mãos os dois vidros em que foram transportadas. Cada noite Reginaldo seu pai, leva-as de volta à árvore a pedido de Tiago que dizia: – Elas são minhas amigas sim, mas precisam cuidar da vida delas também.
A rezadeira vinha quase todos os dias e Tiago já tinha decorado algumas das rezas que a velha murmurava tropeçando entre a língua e a memória.
Agora além dos banhos, davam-lhe também infusões variadas que mais pareciam porções de bruxa. Tomava tudo e guardava sempre um pouco para a lesma. Apesar de não sofrerem do mesmo mal, achou que não custaria nada tentar a mesma medicina. Dizem por aí que quando se acredita, tudo se consegue. Se bem que parecia mesmo era que a lesma não tinha muita fé, pois continuava cada dia mais preguiçosa.
Como amigos e parentes visitavam pouco, Tiago aproveitava o arrastar do tempo para alimentar seus devaneios.
Mas e as nuvens ? Da janela do seu quarto não se via muita coisa... E mais uma vez Tiago foi levado a mover-se para alcançar um desejo.
Combinou em segredo com a formiga e a lesma que naquela mesma noite fugiria até o pé de manga.
Depois do banho de erva da mata e de jantar manga assada, tomou a caneca de infusão e adormeceu profundamente.
Sonhava que já era noite alta e pouco estrelada. A lua entrara inteira pela sua janela iluminando todo o quarto. Levantou-se lentamente e sem fazer muito ruído, retirou as talas que imobilizavam sua perna remendada. Saiu pela janela mesmo e deu a volta pela casa até chegar ao pé de manga. Ali lhe esperavam um batalhão de formigas e lesmas que rebaixaram o mais que puderam um galho da árvore para que Tiago pudesse agarrar e subir de um só impulso. Depois foi só ir escalando as ramas e em pouco tempo lá estava ele pertinho das nuvens. Acomodou-se mirando o céu em silêncio até que uma nuvem grande cobriu a lua e fez-se noite escura. Tiago a chamou convencido. Já que estava mesmo flutuando por ali, poderia descer mais um pouquinho, pensou.
A nuvem concordou, desceu e cobriu quase toda a copa da árvore. E em troca, pediu a Tiago que tentasse descobrir o que ela levava dentro. Voltaria cada noite para buscar uma resposta.
Amanhecia quando D. Tereza entrou no quarto trazendo o suco de manga para Tiago que dormia como um anjo. Acordou ainda meio zonzo sem saber se era sonho ou verdade o que agitava a sua mente. Tomou o suco de um só gole e depois pediu à mãe que lhe fizesse ovos mexidos com cuscuz de milho. D. Tereza ficou tão emocionada que quase queimou os ovos. Depois de devorar tudo, Tiago tirou da gaveta da sua mesa de cabeceira um caderno novinho em folha que havia comprado há tempos na venda do Seu Benjamim. Comprara assim sem saber muito bem pra quê, e o guardou com cuidado. Agora ganhou serventia. Usaria cada folha para escrever tudo o que fosse encontrando nas nuvens. Ficou tão ocupado que já nem pedia a companhia da lesma e da formiga todos os dias. Só de vez em quando para regar a amizade. Voltou a comer de tudo e até engordou a bochecha. A rezadeira já não vinha. Apenas mandava as infusões que ele continuou bebendo por mais um tempo.
D. Tereza, mais entendida, decidiu deixar o seu menino variar tranqüilo. E foi assim que quando já curado da perna, ele voltou a passar horas, deitado nos galhos escrevendo. Cada dia cumprindo o prometido deixava uma folha resposta pendurada na copa do pé de manga. De vez em quando uma folha caia e rapidamente era recolhida por aqueles que também entendiam de formigas, lesmas, mangas e nuvens.
Ah! A lesma jamais se curou da sua preguiça e Tiago achou melhor deixá-la em paz.
AL/2008
D. Tereza repetia essa frase cada vez que encontrava Tiago deitado no galho da mangueira do quintal olhando pra cima e falando sozinho.
- Esse menino não varia bem da cabeça, Reginaldo. Melhor a gente chamar uma rezadeira antes que seja tarde.
- Qual nada Tereza. Deixa o menino variar tranqüilo... Que implicância!
- Onde já se viu ficar conversando a tarde inteirinha com uma formiga e uma lesma como se fosse gente! Por que diacho não vai brincar com os outros meninos lá no campo? Eu num to gostando nadinha disso. Vou tomar uma providência é já.
D.Tereza mandou buscar a rezadeira, uma senhora cuja idade ninguém mais sabe, moradora solitária da mata. Acudiu trazendo uns ramos de arruda recém colhida pra rezar na cabeça e no corpo de Tiago, que aceitou tudo calado disfarçando a curiosidade, e depois voltou correndo pro pé de manga. Não sem antes agarrar umas folhinhas de arruda pra rezar nas lesmas que segundo ele, eram estranhamente preguiçosas.
A rezadeira depois de um longo suspiro proferiu: - O menino ta com quebranto dos brabos. Carece de banhos de erva da mata por uma semana inteirinha. E não antes do sol se pôr! Coisa que D. Tereza providenciou sem demora.
Claro que as lesmas também tiveram de seguir o mesmo tratamento...
Mas o tempo ia passando e Tiago parecia gostar mais de brincar no pé de manga do que com os poucos amigos que tinha.
Às vezes convidava algum para subir com ele na árvore, mas depois de comerem mangas e saltarem de galho em galho, o outro se fastidiava e ia buscar coisa melhor pra fazer.
Nos dias de chuva, Tiago costumava levar uma lona e improvisar uma cabana entre as ramas. Não era o que mais gostava. Preferia mil vezes a aventura em descoberto tentando alcançar o galho mais alto para chegar mais perto das nuvens. E foi movido por esse desejo que um dia, enquanto trepava nas toras já velhas, uma delas arrebentou e Tiago foi com tudo pro chão.
É... Praga de mãe é a pior coisa que existe! Difícil um escapar.
Além do corpo todo ralado e de uma perna quebrada em vários lugares, Tiago perdeu os sentidos o tempo suficiente para deixar D. Tereza desesperada.
- Eu sabia! Agora sim é que meu menino vai ficar variado de vez. Valei-me Nossa Senhora do Socorro! Salva esse meu filho que ainda é anjo.
Por uns dias Tiago até delirou de febre, e as feridas demoraram em cicatrizar. A perna ficaria imobilizada pelo menos uns dois meses, o que acabou deixando Tiago por demais agoniado.
A melhora foi realmente lenta e sofrida.Tiago sentia muita falta do pé de manga, das lesmas, das formigas, das alturas e das nuvens.
Um dia acordou mais disposto e pediu umas mangas para comer. D. Tereza pensando que finalmente lhe voltara o apetite trouxe toda contente um cesto cheinho de mangas maduras e docinhas. A partir de então, Tiago comia manga, no café, no almoço e na janta. E mais nada.
Palpites choviam de todos os lados e D.Tereza já não sabia o que fazer. Para piorar ainda mais a situação Tiago implorou com os olhos encharcados e tristes que lhe trouxessem uma lesma e uma formiga lá do pé de manga.
Sem mais remédios, atenderam ao pedido e foi com surpresa e espanto que testemunharam a alegria do menino segurando nas mãos os dois vidros em que foram transportadas. Cada noite Reginaldo seu pai, leva-as de volta à árvore a pedido de Tiago que dizia: – Elas são minhas amigas sim, mas precisam cuidar da vida delas também.
A rezadeira vinha quase todos os dias e Tiago já tinha decorado algumas das rezas que a velha murmurava tropeçando entre a língua e a memória.
Agora além dos banhos, davam-lhe também infusões variadas que mais pareciam porções de bruxa. Tomava tudo e guardava sempre um pouco para a lesma. Apesar de não sofrerem do mesmo mal, achou que não custaria nada tentar a mesma medicina. Dizem por aí que quando se acredita, tudo se consegue. Se bem que parecia mesmo era que a lesma não tinha muita fé, pois continuava cada dia mais preguiçosa.
Como amigos e parentes visitavam pouco, Tiago aproveitava o arrastar do tempo para alimentar seus devaneios.
Mas e as nuvens ? Da janela do seu quarto não se via muita coisa... E mais uma vez Tiago foi levado a mover-se para alcançar um desejo.
Combinou em segredo com a formiga e a lesma que naquela mesma noite fugiria até o pé de manga.
Depois do banho de erva da mata e de jantar manga assada, tomou a caneca de infusão e adormeceu profundamente.
Sonhava que já era noite alta e pouco estrelada. A lua entrara inteira pela sua janela iluminando todo o quarto. Levantou-se lentamente e sem fazer muito ruído, retirou as talas que imobilizavam sua perna remendada. Saiu pela janela mesmo e deu a volta pela casa até chegar ao pé de manga. Ali lhe esperavam um batalhão de formigas e lesmas que rebaixaram o mais que puderam um galho da árvore para que Tiago pudesse agarrar e subir de um só impulso. Depois foi só ir escalando as ramas e em pouco tempo lá estava ele pertinho das nuvens. Acomodou-se mirando o céu em silêncio até que uma nuvem grande cobriu a lua e fez-se noite escura. Tiago a chamou convencido. Já que estava mesmo flutuando por ali, poderia descer mais um pouquinho, pensou.
A nuvem concordou, desceu e cobriu quase toda a copa da árvore. E em troca, pediu a Tiago que tentasse descobrir o que ela levava dentro. Voltaria cada noite para buscar uma resposta.
Amanhecia quando D. Tereza entrou no quarto trazendo o suco de manga para Tiago que dormia como um anjo. Acordou ainda meio zonzo sem saber se era sonho ou verdade o que agitava a sua mente. Tomou o suco de um só gole e depois pediu à mãe que lhe fizesse ovos mexidos com cuscuz de milho. D. Tereza ficou tão emocionada que quase queimou os ovos. Depois de devorar tudo, Tiago tirou da gaveta da sua mesa de cabeceira um caderno novinho em folha que havia comprado há tempos na venda do Seu Benjamim. Comprara assim sem saber muito bem pra quê, e o guardou com cuidado. Agora ganhou serventia. Usaria cada folha para escrever tudo o que fosse encontrando nas nuvens. Ficou tão ocupado que já nem pedia a companhia da lesma e da formiga todos os dias. Só de vez em quando para regar a amizade. Voltou a comer de tudo e até engordou a bochecha. A rezadeira já não vinha. Apenas mandava as infusões que ele continuou bebendo por mais um tempo.
D. Tereza, mais entendida, decidiu deixar o seu menino variar tranqüilo. E foi assim que quando já curado da perna, ele voltou a passar horas, deitado nos galhos escrevendo. Cada dia cumprindo o prometido deixava uma folha resposta pendurada na copa do pé de manga. De vez em quando uma folha caia e rapidamente era recolhida por aqueles que também entendiam de formigas, lesmas, mangas e nuvens.
Ah! A lesma jamais se curou da sua preguiça e Tiago achou melhor deixá-la em paz.
AL/2008