A amiga


Hoje é sábado, dia de dormir até mais tarde, deixar roupas espalhadas pelo quarto, tomar aquele banho demorado, emendar o café da manhã com o almoço e só depois planejar o que sobra do tempo. Pelo menos esse foi o pensamento que veio a mim logo que abri os olhos e pela janela vi o dia que já ia longe. Mas às vezes o dia toma outro rumo.
Mal terminei o meu café da manhã reforçado, e o telefone tocou. Era Martina uma amiga de infância que vivia na Bélgica e chegara para passar o verão com a família no interior. Duas semanas com os pais, primos, irmãos e sobrinhos, já lhe parecia uma tortura. Precisava respirar e não lhe ocorreu idéia melhor que a de vir passar uns dias comigo. Chegaria logo mais à noite e eu nem teria de me preocupar em buscá-la na rodoviária. Pegaria um taxi.
Não digo que não fiquei feliz. Gosto muito da Martina. Sempre nos divertimos muito quando estamos juntas. Mas chegar assim de repente... Por que não me avisou antes? Eu nem sabia que ela estava no Brasil! Enfim, às velhas amizades todo mundo se curva.
Dei uma olhada em volta e o desânimo me cobriu como uma nuvem pesada. Teria de começar fazendo uma boa faxina no meu apartamento. A Martina era alérgica a poeira e eu não suportaria passar a noite escutando ela espirrar e assoar o nariz ao meu lado.
Depois teria ainda de enfrentar a fila quilométrica do supermercado já que nos armários e na geladeira não havia sobrado grande coisa. O jantar seria um capítulo à parte. Não que eu não goste de cozinhar. Mas a Martina é daquelas pessoas enjoadas pra comer. Cheira a comida, vasculha com o garfo e no final sempre deixa algo no prato. Realmente, inoportuna! Além do mais, nossos gostos nunca combinaram. Eu gosto de comida saborosa, variada, trabalhada. A Martina come sem sal sempre a mesma coisa comum e óbvia.
Pouco antes das 9, ela chegou. Abri a porta e me deparei com o de sempre: Corte novo de cabelo, roupas fashion, uma mala enorme e cor de consultório. Martina é dentista e vive pra trabalhar. Nosso abraço foi longo e verdadeiro e as horas foram se acomodando às tantas novidades que tínhamos para contar uma à outra.
Martina sempre ganha de mim nesse quesito porque vive fora e tem sempre muitas queixas. Critica tudo mesmo sem conhecer a metade. Continua com o mesmo namorado brasileiro de há 5 anos atrás. Cada um vivendo na sua própria casa, e compartindo os poucos amigos e momentos livres.
Seu plano é de voltar pro Brasil assim que tiver dinheiro suficiente para montar seu próprio consultório. Eu, sinceramente, duvido muito que ela volte.
Ficou maravilhada com meu novo projeto de campanha publicitária. Quis saber de tudo nos mínimos detalhes. Achava minha profissão fascinante. Estar sempre viajando, conhecendo gente diferente, começando algo novo. Só não aceitou o fato de eu continuar sozinha. Tentei explicar que estava realmente curtindo a minha solidão depois de ter passado tantos anos sem poder respirar numa relação simbiótica-sanguessuga-parasita. Mas não adiantou muito. Martina é daquelas que não se agüenta. Precisa sempre de companhia. Nisso a gente também é diferente.
Como sempre, faltava ainda escutar todo um rosário de lamentações sobre a sua família. Essa parte só mesmo sendo muito amiga para agüentar...
Fomos dormir totalmente embriagadas e com o dia já despontando.
O domingo foi de ressaca e só deu mesmo pra assistir um DVD em casa. Locamos um drama desses bem exagerados e choramos um monte. Acho que a gente tava precisando. Cada uma por seus motivos.
Martina ficou cinco dias em casa. Não que eu não tenha gostado. A gente até que convive bem. A Martina é uma boa amiga. Mas sinceramente, da próxima vez que ela precisar respirar, espero que me avise pelo menos com uma semana de antecedência poxa!
Olhei em volta e meu apartamento estava uma zona. E os armários e a geladeira, quase vazios. Que desânimo!
Pelo menos não ia tropeçar mais naquela mala enorme...


AL/2009