Carnaval


Olho para o relógio e ele me confirma a hora de sair. Sou um dos poucos ainda trabalhando na tarde de uma sexta-feira véspera de carnaval.
Fecho minha gaveta, apago o computador e me despeço dos que insistem no trabalho enquanto o resto da cidade já arde em festa.
No caminho para casa um vai-e-vem de carros, trios, ambulantes, policiais, e foliões com seus abadás coloridos... Música por toda parte, alta , muito alta. E isso era só o começo...
Tomo um banho demorado, como os restos de comida da geladeira, bebo uma cerveja bem gelada escutando notícias distantes na televisão.
Visto meu abadá, uma bermuda folgada com a cueca aparecendo, o tênis novo comprado em seis prestações. Coloco algum dinheiro na meia, fotocópia do documento no bolso e saio com uma latinha de cerveja na mão.
Vou andando sem pressa até o local onde combinei encontrar a turma.
Apesar da crescente agitação ainda era possível caminhar pelas ruas e identificar as pessoas. E foi aí que vi Madalena encostada em um carrinho de cachorro-quente amarrando o cordão do tênis.
Toquei levemente no seu ombro e ela virou surpresa. Deu-me um beijo como quem não quer nada e começou a fazer-me um monte de perguntas tolas. Respondi sem prestar muita atenção já que todo o meu corpo estava concentrado em disfarçar o meu desejo latente.
Madalena trabalha de garçonete no restaurante que eu freqüento ao meio dia.Normalmente trocamos poucas palavras e muitos olhares...Hoje poderá ser diferente, caso algum santo ajude.
Ofereci uma cerveja e ela aceitou. Nesse instante escutamos o som do trio que se aproximava acompanhado de uma multidão enlouquecida dançando, pulando, cantando, gritando, se agarrando, se espremendo, se empurrando, sem queixas.
Aproveitamos para misturar-nos àquela onda de gente suada, despejando nas ruas as emoções contidas.
Se as horas passaram , a gente não sabia. Se ainda era noite ou se já era dia. Nem onde a gente estava e muito menos aonde ia.
Só sei que acordei colado em Madalena em uma praia qualquer onde muitos descansavam da loucura do outro dia.
Toquei seus lábios dourados sentindo o gosto da despedida e voltei para casa caminhando entre outras vidas desconhecidas, como a minha e a de Madalena.

AL/2008